Até pouco tempo atrás um conceito futurista, a mobilidade elétrica vem ganhando o mundo e desponta como um dos pilares das smart cities. Carros e outros veículos movidos a energia elétrica não apontam apenas para a questão da sustentabilidade, mas também para temas como eficiência, economia e qualidade de vida.
Tramita no Congresso um projeto de lei, de autoria do Senador Ciro Nogueira (PP-PI), que pode acelerar o desenvolvimento da mobilidade elétrica nas cidades brasileiras. Em seu texto, que precisa ser aprovado por Senado e Câmara para seguir para a sanção presidencial, o projeto propõe a substituição da frota de veículos movidos a combustíveis fósseis e a proibição de venda de novas unidades que adotem esta tecnologia a partir de janeiro de 2030.
A proposta do parlamentar prevê ainda que, a partir dali, só possam ser comercializados veículos novos movidos a biocombustíveis – como etanol e biodiesel – e veículos elétricos.
Outro PL, de número 808/2021, igualmente em tramitação no Congresso, estabelece a obrigatoriedade de instalação de infraestrutura para a recarga dos veículos elétricos nas edificações de uso coletivo.
A recarga, aliás, já tem seus procedimentos e condições previstos na Resolução Normativa 819/2019, da Aneel. Por meio da resolução, a agência permite a realização dessas atividades, inclusive para exploração comercial a preços livremente negociados, e abre espaço para novas oportunidades de negócios.
Na Europa, o fim dos veículos a combustão também está na ordem do dia. Em julho de 2021, a Comissão Europeia, que representa 27 países, apresentou plano que prevê que até 2035 todos os veículos novos vendidos nos países do bloco tenham propulsão elétrica.
A medida faz parte das diretrizes da entidade com vistas a tornar o transporte mais sustentável, a partir da redução drástica de emissão de gases de efeito estufa pela frota automotiva. É importante destacar que os veículos de baixa emissão são um dos indicadores do eixo “mobilidade”, pilar das smart cities.
Antes mesmo da tomada de posição em grupo do bloco, alguns países já haviam manifestado individualmente suas intenções neste sentido. O Reino Unido anunciara que baniria carros híbridos e a combustão até 2035, enquanto a França estipulara prazo até 2040.
Estima-se que haja hoje cerca de dois milhões de carros elétricos no mundo, e a Agência Internacional de Energia projeta que este total chegue, em 2030, a 125 milhões de veículos.
Por aqui, esforços vêm sendo feitos também pelo setor automotivo para prover a infraestrutura necessária a esta disrupção no transporte. Em 2018, a fabricante alemã BMW concluiu a instalação de seis postos de recarga para carros elétricos ao longo da Via Dutra, que liga o Rio de Janeiro a São Paulo, transformando-a em uma “eletrovia”.
Também naquele ano, o Paraná passou a contar com uma eletrovia, a BR-277, que cruza o território do estado, levando de Paranaguá a Foz do Iguaçu. Parceria entre a Companhia Paranaense de Energia (Copel) e Itaipu Binacional, tornou-se a mais extensa (730 quilômetros) e bem abastecida (12 postos de recarga).
Os dados iniciais de consumo nos postos da eletrovia ainda foram tímidos diante do que se avizinha. Em 2019, foram feitos 330 recargas nos postos, número que praticamente dobrou no ano seguinte, apesar da pandemia da covid-19. A estação de Curitiba, capital do estado, concentrou a maior parcela dos abastecimentos.
Os números refletem o ainda baixo percentual de carros híbridos ou movidos a eletricidade na frota automobilística nacional – a Associação Brasileiras do Veículo Elétrico (Abve) indica 1%. Segundo a entidade, em 2020, foram vendidos 19.745 veículos eletrificados no país, entre automóveis e comerciais híbridos não plug-in e plug-in (HEV ou PHEV) e os puramente elétricos a bateria (BEV).
O percentual nacional está em linha com os indicadores do ranking Connected Smart Cities para o Rio de Janeiro. Considerados os chamados “veículos de baixa emissão”, representam menos de 1% da frota automotiva que roda nas ruas da cidade, dividindo-se entre os elétricos com fontes externa e interna e os híbridos (etanol ou gasolina/elétrico).
Juntamente com uma conscientização cada vez maior da população a respeito dos prejuízos ambientais causados pelos veiculos a combustão e com a busca de um arcabouço legal que garanta a ampliação da frota de carros elétricos, o próprio anseio de boa parte da população sinaliza horizonte virtuoso: pesquisa da Abve junto a mais de 100 mil pessoas mostra que 2 a cada 3 brasileiros gostariam de comprar um carro elétrico.
Outra pesquisa, esta conduzida pela PUC-Rio, aborda os principais motivos que levaram entrevistados a optar por este tipo de veículo, bem como conceitos que associam à expressão “carro elétrico”. Como não haveria de ser diferente, a questão ambiental e a sustentabilidade aparecem na frente.
Quanto àquilo que foi determinante para a compra do carro elétrico, no entanto, apenas 25% dos respondentes destacou o fato de serem menos poluentes. Para os 75% restantes, a maior eficiência dos veículos foi o principal motivador da compra.
Isto faz todo sentido, se observarmos que, segundo dados do mercado automobilístico, um carro movido a combustão precisa de 2,5 vezes mais energia para percorrer a mesma distância de um carro elétrico. Enquanto o rendimento do motor de um veículo elétrico vai de 90% a 97%, o de um motor a combustão gira na faixa dos 35% aos 40%.
Entre os entrevistados que têm carros movidos a combustão, a maior parte disse desejar um modelo elétrico, ainda que um terço deles tenha se mostrado indeciso diante da troca.
Podem concorrer para esta hesitação um nível ainda baixo de informação sobre o carro elétrico e a própria infraestrutura das cidades, ainda longe do ideal, com poucos pontos de recarga, proporcionalmente ao de postos de combustíveis.
- Estudo feito entre março e julho de 2021 pela Abve, em parceria com a Tupinambá Energia, mostrou que há 735 eletropostos em operação no país, metade dos quais no estado de São Paulo.
Não se pode tirar desta conta, ainda, o alto valor que ainda é praticado pelas montadoras pelos veículos elétricos. Por conta da tecnologia embarcada, entre outros fatores, estes são significativamente mais caros do que modelos a combustão.
Mas a grande distância entre os preços pode diminuir. Segundo estudo do banco UBS, publicado em novembro de 2020, o custo das montadoras para fabricar um carro elétrico deverá cair, já a partir de 2022, para um valor em torno de US$ 1,9 mil a mais do que o necessário para um carro movido a gasolina.
Caso esta tendência se materialize, segundo o estudo, os carros elétricos já passarão a ter custos de produção iguais aos dos carros convencionais a partir de 2024. O resultado, esperam consumidores e o próprio mercado, deve ser o aumento significativo da frota de carros elétricos nas ruas do país nos próximos anos.
POWER BANKS
Entre os benefícios da adoção de uma frota de veículos elétricos no Brasil, podem-se destacar a natural redução na poluição global e local, a consequente redução na incidência de problemas de saúde derivados desta poluição, sobretudo nos grandes centros, e a possibilidade de os veículos serem integrados às redes inteligentes, ou smart grids.
Do ponto de vista estritamente ambiental, e diferentemente do que se vê em outros países, a transição para a frota elétrica não é emergencial no Brasil. Isto porque o país cumpriu com bastante antecedência os compromissos assumidos junto à ONU de redução na emissão de Gases de Efeito Estufa (GEE) e de ampliação da participação de bioenergia sustentável na sua matriz energética.
Segundo o Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), para muito além dos 18% que esta participação deveria ter em 2030, ela já alcançara 12 anos antes, em 2018, os 45%.
O aumento da participação do etanol entre os combustíveis usados sugere a adoção em um primeiro momento dos carros híbridos – movidos a etanol e energia elétrica – como boa alternativa para a matriz de transporte. Esta solução também se justifica, segundo o CBIE, pela infraestrutura que já existe e pelos investimentos necessários à adoção dos veículos elétricos puros.
Já quando se pensa na integração à rede dos veículos elétricos (V2G, ou Vehicle to grid), abre-se um mundo de aplicações. Uma vez integrado ao sistema de energia, o carro elétrico pode mudar a curva de demanda da cidade por energia elétrica, e até transformar o veículo em uma espécie de “power bank”: recarregado em horários alternativos, quando a energia é mais barata, passaria a prover energia no momento do dia em que a demanda é maior.
Localizados na extremidade da rede elétrica próxima aos consumidores, os carros e seu papel de armazenamento de energia reduzem investimentos necessários para a geração, transmissão e distribuição, e podem tornar o sistema mais estável.
CARROS ELÉTRICOS E OS ODS
Além dos benefícios ao meio ambiente e à possibilidade de integração à rede, a adoção dos carros elétricos pode contribuir com a potencialização dos seguintes Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), prevendo ações estratégicas e políticas nacionais:
- ODS 7 — Garantir o acesso à energia acessível, confiável, sustentável e moderna para todos.
Quando considera modelos de negócios que integram carros elétricos à rede elétrica, permite que se insiram projetos mais amplos de geração solar e eólica (meta 7.2) e proporciona mais eficiência ao sistema elétrico (meta 7.3 ).
- ODS 9—Construir infraestrutura resiliente, promover a industrialização inclusiva e sustentável e fomentar a inovação.
Esse objetivo, principalmente em relação à meta 9.4, é atualizar a infraestrutura e modernizar as indústrias para torná-las sustentáveis, com maior eficiência no uso de recursos e maior adoção de tecnologias e processos industriais limpos e ambientalmente corretos.
- ODS 11—Tornar cidades e assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis.
Trata do atingimento das metas 11.2 – proporcionar até 2030 acesso a sistemas de transporte seguros, acessíveis e sustentáveis para todos, melhorando a segurança rodoviária, nomeadamente através da expansão do transporte público – e 11.6 – redução do impacto ambiental per capita adverso das cidades.
- ODS 13—Tomar medidas urgentes para combater as mudanças climáticas e seus impactos.
A meta 13.2, visa a integrar as medidas de mudança climática nas políticas, estratégias e planejamento nacionais