30 anos da morte de João Goulart – a morte no exílio

Hoje, dia 6 de dezembro, dia da morte de Jango, apresentamos um relato do professor Cibilis Viana, que foi chefe da assessoria econômica de João Goulart e secretário de Governo de nas duas administrações de Leonel Brizola, no Rio de Janeiro. Por ele podemos tomar conhecimento da tristeza do exílio e da personalidade do único presidente da República que só pode retornar ao Brasil depois de morto.

“Este homem é deste planeta?” Foi o comentário conclusivo de Glauber Rocha, depois de longa e exaustiva entrevista com o ex-Presidente João Goulart. Jango causou-lhe profunda impressão devido ao seu acendrado sentimento humanista, ao grande amor por seu povo e ao seu país. Jango não fazia distinção entre as pessoas – homem ou mulher, branco ou negro, operário ou patrão, pobre ou rico. Aceitava-as com grande dose de tolerância. Sua aspiração maior era a de que todos os brasileiros desfrutassem de uma vida de paz e trabalho, vivessem em harmonia, sem ressentimentos, sem preconceitos e sem ódios. Todos, entre si, tolerantes e solidários. Assim compreendia a vida porque amava seu povo e tinha imenso apego ao seu País.
Glauber chegara a essa conclusão não pelas palavras que, muitas vezes, antes de expressar, dissimula os sentimentos; mas, sim, pelo que Jango deixava transparecer, pela expressão facial, pelo olhar, pela forma sincera, com que expressava seu pensamento, enfim pela força interior que emanava de todo o seu ser. Como Presidente, chegou à conclusão de que o País precisava de reformas. Getúlio havia lançado as bases para o desenvolvimento; Juscelino tinha posto em execução um ambicioso plano de metas; mas as desigualdades sociais se acentuavam, porque a renda nacional tendia a concentrar-se nas mãos de poucos, aumentava o número dos sem-terra e o êxodo do campo provocava o inchaço das cidades. Queria obtê-las, porém, pelo consenso, nunca pela imposição.
Conseguiu aprovar algumas, reformas no Congresso,como as do abastecimento (lei de intervenção no domínio econômico, criação da Sunab, Cibrazem, Cobral, Supra e lei dos preços mínimos); do sistema nacional de comunicação; da proteção ao trabalhador rural; lei anti-trust; e a disciplinação da remessa de lucros para o exterior. Encontrou histérica resistência ao projeto de reforma agrária e ao da reforma urbana, suas principais preocupações.
Foi sua insistência em promover a reforma agrária que motivou o golpe de 1964, depondo-o e obrigando-o a asilar-se no Uruguai. Lá Jango permaneceu 12 anos. Nunca se conformou por ser obrigado a viver longe de seu País, afastado do convívio do seu povo. Só quem viveu no exílio – brasileiro, principalmente – pode avaliar a tristeza profunda que atinge as pessoas. É uma dor permanente que não cede um só instante, mesmo nos momentos de maior descontração, qualquer que seja a situação em que esteja vivendo o exilado – no trabalho, entre familiares, durante as refeições, num encontro social.
Essa dor não localizável não o abandona, sequer no sono. Mais do que ninguém, Jango padecia desse sofrimento. Nem nos momentos que demonstrava contentamento no convívio familiar ou quando realizava um bom negócio, no que era inexcedível, sua fisionomia deixava de revelar a dor profunda que não o abandonava. Jango não conseguia compreender porque a intolerância, porque o ódio, se ele nunca discriminou, nunca perseguiu, manteve ressentimentos, muito menos cultivou o ódio. Como era de prever, a dor do exílio afetou sua saúde, justamente no órgão por ela atingido – o coração.
Nos últimos dias de vida estava decidido a retornar ao Brasil. Não queria adoecer ou morrer longe da Pátria, da terra que tanto amou. Fizeram-se gestões, invocaram seu estado de saúde, tudo em vão. A ditadura alimentava-se da intolerância e do ódio, sem o que perderia sua principal razão de sobrevivência. Apesar de tudo, Jango estava decidido. Voltaria ao Brasil, quaisquer que fossem as conseqüências.
Chegaria de surpresa à sua fazenda, em São Borja, e aguardaria as conseqüências. Por certo, seria preso. Tentariam expulsá-lo do território nacional. Preparando-se para o retorno, deslocou-se para uma fazenda de sua propriedade na Argentina, na fronteira com o Brasil, não muitos quilômetros de São Borja. E o fez, como sempre, acompanhado de sua inseparável esposa, Maria Tereza. Lá chegou na entrada da noite do 5 de dezembro de 1976, véspera de sua morte. Jantou com Maria Tereza, conversaram sobre generalidades, não disse a ela que se preparava para atravessar a fronteira. Como missioneiro, sabia como ninguém, manter reserva quando necessário.
Mais do que nunca seus planos exigiam silêncio absoluto. Mas suas intenções eram evidentes. No dia anterior fechara um negócio de alguns milhares de dólares, dinheiro com que se abasteceria no País. Se vazasse qualquer indício perceptível ao governo brasileiro, a fronteira seria militarmente fechada, o rio Uruguai inteiramente patrulhado, e sua fazenda sitiada. A noite soprava um vento forte, sacudindo toda a casa. Jango já dormia, quando Maria Teresa o acordou, pedindo-lhe que fechasse um janelão na cozinha que não parava de bater.
Depois recolheu-se, voltou a dormir, não mais se levantando. Maria Tereza encontrou-o, a seu lado, na cama, já sem vida. Jango morreu no exílio, abatido pela profunda tristeza de viver longe da Pátria. Inúmeros foram os brasileiros penalizados pelo exílio. Muitos morreram no exterior. Entre os Presidentes brasileiros, Washington Luís, Juscelino, Jango foi o único que morreu longe da Pátria, dizimado pela dor da saudade, por uma imensa tristeza. Amigos e correligionários contataram a Polícia Federal para permitir a entrada do corpo em território brasileiro, para ser enterrado no jazigo da família, em São Borja.
O coronel-chefe da PF no Rio Grande do Sul, autorizado por seu superior hierárquico, general-diretor-geral da PF no País, consentiu no traslado. Mas a intolerância e ódio ainda predominavam no ambiente militar. O coronel foi duramente interpelado pelo general-comandante do III Exército por não o ter consultado, sendo obrigado a demitir-se da chefia da PF. Não houve a revogação da medida, mas o comandante do III Exército só permitiu a entrada do veículo transportando o corpo do ex-presidente em velocidade acelerada, até o cemitério de São Borja, sem acompanhamento, onde o aguardavam seus amigos. Jango realizou seu maior desejo – retornar à sua Pátria, mesmo que o fosse depois de morto.
Cibilis Viana*

(*)O Professor Cibilis Viana foi chefe da assessoria econômica de João Goulart e secretário de Governo de nas duas administrações de Leonel Brizola, no Rio de Janeiro
foto arquivo CPDOC

Felipe Peixoto

Durante seus mandatos, Felipe aprovou mais de 100 leis e presidiu importantes Comissões, como a do Foro e Laudêmio e a da Linha 3 do Metrô. Como Secretário de Estado, Felipe foi responsável por inúmeras realizações e projetos que beneficiaram todas as regiões do RJ. 

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