Aumento da tarifa dos ônibus: a população se mobiliza para greve de passageiros

A Prefeitura aprovou aumento de quase 10% para as passagens de ônibus. Este aumento é o dobro da inflação registrada nos últimos doze meses. A população de Niterói está se mobilizando, com toda razão, e convocando uma greve de passageiros para o próximo dia 31 de maio. Pegue carona, vá de bicicleta, vá a pé; mas não pegue ônibus! Este é o mote da campanha. Muito bom.

Desde o dia 2 de maio o niteroiense está pagando mais caro para andar de ônibus. A Prefeitura aprovou aumento da tarifa do transporte coletivo que passou de R$ 1,60 para R$ 1,75. Na Região Oceânica o aumento foi de R$ 1,70 para R$ 1,85. O aumento de quase 10% é o dobro da inflação registrada nos últimos doze meses. A população de Niterói está se mobilizando, com toda razão, e convocando uma greve de passageiros para o próximo dia 31 de maio. Pegue carona, vá de bicicleta, vá a pé; mas não pegue ônibus! Este é o mote da campanha. Muito bom.

Muitos fatores influenciam o aumento das tarifas. Alguns bastante óbvios como os aumentos do combustível ou aumento dos salários dos rodoviários. Outros fatores, entretanto, passam despercebidos da maior parte dos usuários, mas também têm forte impacto no custo dos transportes e, conseqüentemente, na tarifa.

Na grande maioria das cidades brasileiras a tarifa é calculada tomando-se por base a metodologia desenvolvida pela Empresa Brasileira de Planejamento de Transportes no início da década de 1980, que teve seus coeficientes atualizados em meados da década de 1990. Esta metodologia leva em consideração os seguintes parâmetros:

 O número de passageiros transportados
 A quilometragem percorrida
 O custo quilométrico

Dividindo-se o número de passageiros transportados mensalmente, pela quilometragem percorrida, também mensalmente, pela frota de transporte coletivo da cidade, calcula-se o IPK (índice passageiro por quilômetro). A tarifa é calculada dividindo-se o custo quilométrico pelo IPK.

De acordo com esta metodologia, portanto, o que mais influencia na tarifa é o IPK. Este índice era próximo a 3 em 1989, quando começou a ser adotado em Niterói, e está hoje em torno de 1,5. Quando o IPK cai a metade, o preço da tarifa dobra, mantido o mesmo custo por quilômetro rodado. Isto significa que o preço da tarifa podia ser a metade do que é cobrado hoje, isto é: algo em torno de noventa centavos!

E porque o IPK vem caindo tanto?

Naturalmente, o IPK cai pelo aumento da frota circulante ou pela redução do número de passageiros transportados. E é exatamente isso que vem ocorrendo em Niterói nos últimos anos. De acordo com dados fornecidos pela Prefeitura, enquanto a demanda (passageiros pagantes) caiu em 30% no período considerado, a oferta (quilometragem percorrida) aumentou em 36% no mesmo período.

Isso demonstra que nosso Sistema de Transporte Público Coletivo vem perdendo eficiência a cada ano. Muitas são as causas desta enorme perda de produtividade que, aliás, ocorre também nas outras cidades brasileiras: a concorrência do transporte alternativo; o crescente uso do transporte individual; a falta de prioridade para o transporte coletivo no sistema viário; a exclusão dos mais pobres, decorrente do aumento da tarifa e do desemprego ou sub-emprego; a redução no uso do vale transporte devido à crescente informalidade do mercado de trabalho, entre outras. Todavia, quem paga a conta é o usuário, pois a metodologia adotada repassa para tarifa todos os custos da ineficiência do sistema de transportes da cidade.

A elevação das tarifas de transportes públicos, com índices muito superiores ao custo de vida, não é um fenômeno que ocorre apenas em Niterói, é uma questão nacional. Já estamos acostumados a ouvir, quando o governo anuncia os índices oficiais, que as tarifas públicas pressionam a inflação. O Fórum Nacional de Secretários de Transportes, a Frente Nacional dos Prefeitos e a ANTP – Associação Nacional de Transporte Público, vêm discutindo o problema nos últimos anos e apontam algumas soluções, que nos parece interessante discutir:

1 – Redução de tributos sobre o Transporte Público Coletivo.

O Serviço de Transporte Público Coletivo é considerando como essencial na Constituição Estadual e na Lei Orgânica do Município. Em muitos casos o transporte é subsidiado pelo Estado, como na maioria dos Trens Urbanos e nos Metrôs, entretanto, o transporte urbano em ônibus é tributado como qualquer outra atividade econômica. Estes tributos são pagos integralmente pelos usuários já que entram no custo das empresas e são repassados para a tarifa. Em Niterói, 7% da tarifa é constituída por impostos diretos, sem contar os tributos indiretos, como o ICMS e a CIDE, que incidem sobre o óleo diesel; o IPI, que incide sobre os veículos; IPTU, sobre as garagens e instalações; etc.
Tudo isso entra no cálculo da tarifa. Considerando-se o transporte um serviço essencial, como a saúde ou a educação, estas entidades discutem uma possível desoneração tributária do setor acompanhada da correspondente redução das tarifas.

2- Organização Gerencial

A redução de tributos é impensável com o atual modelo gerencial, onde inexiste uma estrutura capaz de fiscalizar e controlar minimamente o sistema. As empresas operadoras precisam ser fiscalizadas para que o usuário seja efetivamente beneficiado pela redução de impostos.
Por outro lado, o gerenciamento não se limita à fiscalização das empresas, mas, principalmente, ao controle da qualidade e da eficiência. Gerenciar compreende, sobretudo, racionalizar o sistema, através do remanejamento de linhas, evitando-se a superposição; da promoção da integração física e tarifária; da criação de pistas segregadas, privilegiando o transporte coletivo. Enfim, a melhoria da produtividade do transporte público e a conseqüente redução das tarifas é responsabilidade do órgão gestor. Como foi demonstrado, se fosse possível manter o IPK, índice passageiro por quilômetro, de 1989 a tarifa de Niterói seria reduzida à metade!

3- A Fiscalização do Transporte Clandestino

Sem a menor dúvida, a proliferação do transporte clandestino na cidade pode, em parte, ser responsabilizada pela desorganização e pela queda na eficiência do sistema. É claro que a migração de passageiros para o transporte informal e a concorrência excessiva nos principais mercados gera perda de produtividade, com a redução do IPK e o conseqüente aumento das tarifas. Por sua vez, o aumento das tarifas estimula o transporte clandestino, realimentando o ciclo vicioso.
Entretanto, não se pode deixar de observar aspectos positivos no chamado “transporte alternativo”. Os “clandestinos” começaram a operar exatamente nas áreas da cidade que apresentavam deficiência de transporte. As vans vieram suprir esta falha e houve sensível melhora nestas regiões, com aumento da freqüência, reduzindo o tempo de espera. A concorrência obrigou as empresas a melhorarem o atendimento, a qualidade dos veículos e promoverem inclusive a redução de tarifas em certas áreas.
Em Niterói, não existe uma política definida para o setor. O transporte clandestino não é permitido, mas é tolerado sem nenhum controle. O governo fecha os olhos para um problema que não tem coragem de enfrentar. Não é razoável supor que as vans serão banidas da cidade, até porque elas conquistaram um segmento do mercado e, em alguns casos, complementaram deficiências do sistema de transportes. Todavia, há necessidade de se estabelecer regras e controles. Nenhuma política é a pior política.

4- O Controle da Evasão

A evasão da receita devido às gratuidades (estudantes, idosos, deficientes físicos, doentes crônicos, policiais, crianças, rodoviários, carteiros, oficiais de justiça e fiscais do trabalho) é outra causa do aumento das tarifas. As gratuidades são pagas pelos demais usuários, o que evidentemente é injusto. Entretanto, o efeito sobre as tarifas não é apenas decorrente das isenções oficiais, que são muitas, mas também da falta de controle, que eleva muito a relação entre não pagantes e pagantes.
As propostas em estudo não visam reduzir benefícios já concedidos, mas buscam melhorar o controle, eliminando-se as evasões não justificadas, com a implantação da bilhetagem eletrônica. Por outro lado, discute-se a obtenção de receitas não tarifárias para o custeio das isenções oficiais.
Estas medidas, caso adotadas, poderão representar significativa redução na tarifa e eliminar uma antiga injustiça que cai sobre os ombros do usuário, normalmente de baixo poder aquisitivo. Contudo, deve-se tomar cuidado para que, a pretexto de se reduzir custos, não se venha cortar benefícios sociais fundamentais, como o passe livre para os estudantes, idosos ou deficientes físicos.

5 – A modernização da Frota e o uso do Gás Natural

Um bom sistema de transporte pressupõe a gradual renovação e modernização da frota. A utilização de veículos de maior capacidade nas linhas troncais, de piso rebaixado, refrigerados e movidos a GNV é recomendável, mas os custos destes veículos especiais são elevados e, a menos que o poder concedente exija, as empresas não estão dispostas a fazer tais investimentos. Para viabilizar a melhoria da qualidade da frota, especialmente com a introdução do gás natural e do piso rebaixado, que permite o acesso aos deficientes físicos, há necessidade, além de exigência legal, da existência de linhas de crédito especiais e garantia de oferta e preço competitivo, a longo prazo, para o gás natural.
O custo dos veículos e a idade da frota incidem diretamente na tarifa, de acordo com o modelo tarifário adotado pelo município. Portanto, a renovação deve ser gradativa e é recomendável o alongamento da vida útil dos veículos. Recentemente esta medida foi adotada em Niterói, onde a idade máxima dos veículos convencionais foi aumentada de 7 para 9 anos. Em nossa opinião esta idade deve ser mantida, estabelecendo-se 12 anos para os veículos especiais, de modo a estimular o seu uso, que seria obrigatório nos principais corredores. Esta substituição deve ser feita de forma gradual, com prazos adequados, de modo a não pressionar a tarifa e não criar dificuldades para as empresas.
A isenção do IPI, a exemplo da existente para a exportação e para táxis, poderia ser estendida aos veículos com características especiais, dentro da política de desoneração tributária do transporte público.

6 – Aplicação dos recursos da CIDE em projetos de Transporte

A CIDE, Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico, tributo que incide sobre os combustíveis e que deveria ser destinado ao setor de transportes, incluindo a recuperação das estradas e o transporte urbano, vem sendo usada apenas, pelo governo federal, para a formação do superávit fiscal.
O Fórum Nacional de Secretários de Transportes e a Frente Nacional de Prefeitos vêm lutando para que estes recursos sejam aplicados, ao menos parcialmente, em projetos de transporte urbano. Em Niterói, estes recursos poderiam financiar o PDTT, projeto elaborado pela Prefeitura que prioriza o transporte coletivo urbano. Este projeto propõe a criação pistas e faixas exclusivas para ônibus; melhorias no sistema viário; a construção de terminais para a integração física e tarifária; e obriga a renovação e modernização da frota.
Enquanto a Prefeitura aguarda, há mais de dois anos, a liberação de recursos do BNDES, o Governo Federal utiliza vultosos recursos da CIDE, que deveriam ser aplicados no setor, para acumular superávit fiscal. Existem propostas neste sentido, mesmo no âmbito do governo federal que, no entanto, não conseguem ser viabilizadas em virtude da resistência da equipe econômica. Há necessidade de pressão política!

7 – Revisão do Modelo Tarifário.

O modelo tarifário adotado no município, o mesmo adotado em quase todo o país, tem sido muito questionado pelos técnicos, por conceder reajustes automáticos, para “manter o equilíbrio econômico-financeiro das empresas”, não estimulando a busca da melhoria da produtividade por parte das permissionárias e sacrificando os usuários com aumentos de tarifa sempre acima da inflação. É urgente a busca de um novo modelo que estimule a busca da eficiência e não penalize os usuários.

8 – Exclusão Social

O aumento das tarifas está tornando o transporte público inacessível para os mais pobres. Pesquisa realizada em 2002 pelo governo federal aponta que apenas 27% dos usuários dos ônibus pertencem as classes D e E, que representam 45% da população urbana brasileira. Esta diferença corresponde ao grande contingente de brasileiros que não dispõem de dinheiro para pagar o preço das passagens.

A privação do acesso ao transporte agrava a pobreza e a exclusão social, atingindo sobretudo aos desempregados, que têm maior dificuldade para seus deslocamentos diários, inclusive para procura de emprego. Estudos da ANTP, Associação Nacional de Transporte Público, indicam que 43% dos deslocamentos nas cidades brasileiras são feitos a pé. O barateamento das tarifas cumpre, portanto, papel decisivo na inclusão social.

Não obstante, para atender a esta crescente parcela da população que faz uso do transporte não motorizado, os projetos viários devem contemplar a melhoria das calçadas e a construção de ciclovias. Projetos que visem apenas o aumento da capacidade das vias acabam incentivando o uso do automóvel, pelas camadas mais favorecidas da população, aumentando os congestionamentos, a poluição e os acidentes de trânsito.

É claro que todas as medidas propostas pelo Fórum Nacional de Secretários de Transporte e pelo Grupo de Trabalho do Governo Federal e encampadas pela Frente Nacional dos Prefeitos só contarão com o apoio da sociedade se forem criados mecanismos que garantam o repasse dos benefícios aos usuários, por meio da redução da tarifa.

Embora bem intencionadas e teoricamente defensáveis todas estas propostas têm um ponto fraco. A falta de transparência com que a questão das tarifas públicas normalmente é discutida no Brasil. Esta atitude, compartilhada pelas mais variadas administrações, em todos os níveis de governo, gera a suspeita de que os benefícios concedidos possam ser apropriados pelas empresas permissionárias, ao invés de repassados para os usuários. A Prefeitura de Niterói acaba de reforçar esta tese ao “esquecer-se” de divulgar a planilha completa que embasou o último aumento tarifário.

Nossa intenção não é a de levantar suspeitas, nem de bancar o inquisidor, descobrindo erros e culpados. Quem sempre gostou de agir assim foi o PT, quando estava na oposição. Não pretendemos ocupar o papel que cabe ao Ministério Público. Também não julgamos ser nosso papel o de acobertar fraudadores ou prestar solidariedade a suspeitos de corrupção.

Nosso objetivo é apenas a de aprofundar a discussão sobre o transporte público, com transparência e isenção. Trazer para o debate na Câmara Municipal este tema tão relevante para nossa população. Não é possível que por falta de transparência os usuários do transporte coletivo continuem a pagar um preço muito alto para seus deslocamentos.

É contraditório falar em “mobilidade cidad㔠e em “acessibilidade para todos”, quando o governo continua mais imóvel do que nunca, negando acesso a informações elementares.

E é por isso que a população faz muito bem em se mobilizar. É a primeira vez que isso ocorre em Niterói. Se bem sucedida, a greve dos passageiros pode ser um marco na discussão da política de transportes na cidade.

Portanto, no dia 31 de maio, organize-se: pegue carona, vá de bicicleta, vá a pé; mas não pegue ônibus!

Felipe Peixoto

Durante seus mandatos, Felipe aprovou mais de 100 leis e presidiu importantes Comissões, como a do Foro e Laudêmio e a da Linha 3 do Metrô. Como Secretário de Estado, Felipe foi responsável por inúmeras realizações e projetos que beneficiaram todas as regiões do RJ. 

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