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BICICLETAS AJUDAM RIO A SER INTELIGENTE E SUSTENTÁVEL

Um dos principais nomes do urbanismo contemporâneo, autor de livros como “Cidades para pessoas”, o dinamarquês Jan Gehl diz que, em uma época na qual os combustíveis fósseis, e poluição e problemas com o clima e a saúde se tornam mais e mais um desafio global, priorizar o tráfego cicloviário parece um passo óbvio.

E é o que o Rio de Janeiro vem fazendo, nos últimos anos. Segundo dados da CET-Rio, a malha cicloviária da cidade é hoje uma das mais extensas do país: são 457 quilômetros de pistas. Total expressivo, se levarmos em conta que, em 2009, ele não passava dos 155 quilômetros.

Para fazermos frente às principais malhas cicloviárias no mundo, no entanto, ainda falta muito. Munique, na Alemanha, por exemplo, soma incríveis 1.300 quilômetros de pistas para bicicletas. Dublin, capital da Irlanda, oferece 650 quilômetros em ciclovias.

Além das óbvias questões de sustentabilidade, a opção pelas bicicletas como meio de transporte tem amparo até na Física. Estudo da ong espanhola Ecologistas en Acción, usado pelo engenheiro civil Roberto Ghidini no artigo Elementos Estruturantes da Mobilidade Peatonal, mostra que pessoas a pé ou em bicicletas são 30 vezes mais eficientes do que carros movidos a gasolina.

Com a mesma cota de energia de 1 kWh (1.000 watts por hora), em uma estrada plana, um ciclista consegue percorrer cerca de 32 km e uma pessoa a pé chega a 29 km, enquanto um carro faz pouco mais do que 1km.

Por este e outros tantos motivos, faz todo sentido que questões ligadas à chamada “smart mobility”, ou mobilidade inteligente, sejam um dos pilares na construção das cidades inteligentes.

A forma como os moradores das cidades fazem uso das bicicletas, a infraestrutura de que eles dispõem, e até os novos modelos de negócio – como o compartilhamento de bicicletas, ou bike sharing – são considerados em rankings nacionais e internacionais que aferem se as cidades são de fato inteligentes.

Na edição 2021 do ranking do Connected Smart Cities, desenvolvido pela consultoria Urban System, o Rio ficou em quarto lugar no eixo “Mobilidade e Acessibilidade”, entre as 677 cidades brasileiras analisadas. Não é um resultado ruim, mas representa uma queda em relação a anos anteriores.

O estudo se debruça sobre os 11 vetores listados abaixo. Dos resultados, pode-se depreender que uma das ações que podem levar o Rio a subir no ranking, no eixo Modalidade e Acessibilidade, é a ampliação de sua malha cicloviária – outra ação pode ser o aumento da frota de veículos de baixa emissão circulando nas ruas da cidade.

Proporção de automóveis/habitantes

Idade média da frota de veículos (anos)

Relação de ônibus e automóveis (ônibus/autos.)

Acesso a aeroporto (aeroportos (raio de 100 km)

Transporte rodoviário (conexões interestaduais

Veículos de baixa emissão (do total da frota)

Outros modais de transporte coletivo (kms/100 mil hab)

Ciclovias (kms/100 mil hab)

Bilhete eletrônico transporte público

Semáforo inteligente

Rankings internacionais, como o Cities in Motion Index (CIMI), da IESE (Universidade de Navarra, Espanha), trazem para a cena análises sobre a oferta nas cidades estudadas de bicicletas e ciclomotores em sistema de compartilhamento ou aluguel. O número de bicicletas por família é outro aspecto abordado para o cálculo do CIMI.

Por sua vez, a certificação ISO 37122, que define os conceitos que tornam uma cidade inteligente, computa o número de bicicletas/100 mil habitantes disponíveis por meio de serviços municipais de compartilhamento.

COMPARTILHAMENTO

Empresa líder da América Latina em tecnologia para micro mobilidade, a Tembici apresentou no Rio Innovation Week o caso de sucesso em que se transformou o sistema de compartilhamento de bicicletas na cidade, o BikeRio, criado por ela.

Os número são superlativos: desde que o BikeRio foi implantado, já foram feitas mais de 28 milhões de viagens, que totalizaram 674 milhões de minutos pedalados – tempo médio de viagem de 27 minutos. Os deslocamentos por duas rodas evitaram a emissão de 8.900 toneladas de CO2, o que equivale a 900 mil árvores poupadas.

Moradores, que não precisam adquirir bicicletas, e turistas, que contam com o meio de transporte ideal para desfrutar das belezas do Rio, são beneficiários deste sistema de compartilhamento.

Aquele que ainda não se decidiu pela adoção ou não da bicicleta como meio de locomoção para o trabalho ou estudo também tem neste modelo uma chance de fazer uma espécie de test-drive.

O BikeRio bebeu na fonte do Vélib’, primeiro sistema público de grande porte com estações automatizadas. Ele foi criado em Paris, cidade que não tinha tradição em uso de bicicletas em larga escala, mas que se tornou bike friendly graças ao modelo criado pela prefeitura, em 2007.

No início, eram 10 mil as bicicletas disponíveis, número que dobrou, alguns anos mais tarde. As estações também se multiplicaram. A gestão coube ao grupo francês JCDecaux, maior do mundo no segmento de mobiliário urbano.

Assim como no Rio, o Vélib’ logo ostentou números altamente significativos. Em cinco anos, as bicicletas já haviam feito 173 milhões de viagens.

PERFIL DO CICLISTA

Parceria da ong Transporte Ativo, do Laboratório de Mobilidade Sustentável da UFRJ (Labmob-Prourb) e do Observatório das Metrópoles vem produzindo nos últimos anos uma extensa pesquisa sobre os motivos do brasileiro para usar bicicletas como meio de transporte e o perfil destes ciclistas.

Em sua terceira e mais recente edição, mais de 10 mil ciclistas de 16 cidades de diferentes tamanhos e localizadas em diferentes regiões do país foram entrevistados, entre setembro e novembro de 2021.

A Pesquisa Nacional sobre Mobilidade por Bicicletas traça o perfil do ciclista brasileiro. No recorte sobre o Rio de Janeiro, mais de metade dos respondentes (55,3%) disse ter entre 25 e 34 anos, 6 a cada 10 (62,5%) pedalam cinco ou mais dias por semana, e 38,6% combinam a bicicleta a algum outro modal.

Para 66%, o principal destino das pedaladas é o local de trabalho, índice semelhante ao verificado quando “compras” ou “social” eram as alternativas.

Seguem alguns dos dados apurados pela pesquisa:

55.3% TÊM ENTRE 25 E 34 ANOS DE IDADE

8.8% TÊM RENDA ENTRE 1 A 2 SALÁRIOS MÍNIMO

54.1% USAM A BICICLETA COMO MEIO DE TRANSPORTE HÁ MENOS DE 5 ANOS

62.5% PEDALAM 5 DIAS OU MAIS POR SEMANA

77.5A% LEVAM ATÉ 30 MINUTOS NO PRINCIPAL PERCURSO

38.6% USAM A BICICLETA COMBINADA A OUTRO MODO DE TRANSPORTE

Quando a pergunta é sobre o que leva cada um a usar as bicicletas, 32,1% dizem enxergar “rapidez e praticidade” no transporte cicloviário; para 29,3%, a economia é o propulsor da decisão; e para 26,6%, benefícios para a “saúde” são o decisor.

E que estímulos poderiam levar estes cariocas a aumentar a quilometragem sobre duas rodas?

Não causa surpresa os dois itens mais apontados terem sido “infraestrutura” – no caso, a oferta pelo poder público de infraestrutura adequada – e “segurança no trânsito” – a reivindicação é que ela aconteça de fato.

Contribuem para assegurar o ambiente ideal para a prática do ciclismo iniciativas como a Lei 2832/2011, que instituiu o Estatuto da Bicicleta de Niterói. Criada por mim, na época vereador, e sancionada pelo prefeito da cidade à época, Jorge Roberto Silveira, previa a ampliação da malha cicloviária na cidade, com sinalização e regulamentação de estacionamento.

Perto dali, no município de Maricá, a prefeitura passou a oferecer à população, em 2021, um sistema gratuito de compartilhamento de bicicletas. Ao longo da semana, em função de uma maior demanda, o morador da cidade pode usar as bicicletas por até uma hora. Nos fins de semana, este tempo é de duas horas. Depois do uso, as bicicletas são devolvidas a uma das estações disponíveis na cidade.

AS BICICLETAS E OS ODS

Como não haveria de ser diferente, as bicicletas e o tráfego cicloviário estão em linha com alguns dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, estabelecidos pela ONU.

Eis os objetivos com os quais o transporte por bicicletas está alinhado:

ODS11

Tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis

Meta 11.2: Até 2030, proporcionar o acesso a sistemas de transporte seguros, acessíveis, sustentáveis e a preço acessível para todos, melhorando a segurança rodoviária por meio da expansão dos transportes públicos, com especial atenção para as necessidades das pessoas em situação de vulnerabilidade, mulheres, crianças, pessoas com deficiência e idosos;

Meta 11.6: Até 2030, reduzir o impacto ambiental negativo per capita das cidades, inclusive prestando especial atenção à qualidade do ar, gestão de resíduos municipais e outros;

Meta 11.7: Até 2030, proporcionar o acesso universal a espaços públicos seguros, inclusivos, acessíveis e verdes, particularmente para as mulheres e crianças, pessoas idosas e pessoas com deficiência.

ODS 12. Consumo e produção responsáveis – Assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis

Meta 12.2: Até 2030, alcançar a gestão sustentável e o uso eficiente dos recursos naturais;

Meta 12.8: Até 2030, garantir que as pessoas, em todos os lugares, tenham informação relevante e conscientização para o desenvolvimento sustentável e estilos de vida em harmonia com a natureza.

ODS 13. Ação contra a mudança global do clima – Tomar medidas urgentes para combater a mudança climática e seus impactos

Meta 13.2: Integrar medidas da mudança do clima nas políticas, estratégias e planejamentos nacionais

AS BICICLETAS SOB A ÓTICA DO CICLISTA – BENCHMARK PARA O RIO

A chave para a amplificação da cultura ciclística em uma cidade pode ser resumida em duas palavras: planejamento urbano. E este planejamento deve ser elaborado a partir da visão de quem circulará pelas ruas da cidade sobre as duas rodas.

Foi assim, colocando-se no lugar do ciclista e entendendo sua dinâmica de deslocamento e suas necessidades, que Copenhague, capital da Dinamarca, retomou uma tradição de cidade “bike friendly”, perdida do meio para as últimas décadas do século XX.

O avanço da indústria automobilística no pós-guerra havia sido implacável com as bicicletas, que perderam um espaço até então, delas, para trafegar pelas ruas da cidade. Acidentes de trânsito ficaram mais e mais comuns, e se somaram à poluição crescente, como ofensores da qualidade de vida na capital europeia.

A reviravolta se deu a partir de fins dos anos 1980, com a tomada de consciência de cidadãos e autoridades sobre a ameaça à saúde pública que representava esta marcha desenfreada de veículos movidos a combustíveis fósseis.

Isto ao mesmo tempo em que cresciam os movimentos ambientais, e a cobrança pública por medidas que zelassem por uma maior qualidade de vida.

O replanejamento urbano, para incentivar a volta da cultura ciclística, e as ações implementadas pela municipalidade de Copenhague contemplaram diversos aspectos, da infraestrutura à segurança pública:

A rede de ciclovias corta toda a cidade, de forma contínua, sem trechos interrompidos, e atravessa ruas movimentadas parques, linhas férreas desativadas e outros espaços;

Nas ruas com mais movimento, são delimitadas por meios-fios e ciclofaixas;

As ciclofaixas nas calçadas seguem a mesma direção do tráfego de carros e ônibus, o que aumenta a segurança para pedestres e ciclistas;

Ônibus, trens e metrôs oferecem espaço para o transporte das bicicletas;

As ruas, estações e terminais dispõem de bicicletários;

Semáforos inteligentes e uma sinalização eficiente são fundamentais para tornar seguro o ato de usar bicicletas em Copanhague.

O RIO

Privilegiado pela natureza exuberante, que oferece passeios para todos os gostos, o Rio caminha a passos largos no sentido de se tornar uma cidade amiga das bicicletas.

O sistema de sensorização em vias de implantação, por exemplo, permitirá à Prefeitura, a um só tempo, ter um panorama em tempo real do que acontece nas ruas – quem anda por onde, de que maneira -, como aumentar a segurança em pontos vulneráveis.

A chegada do 5G ao Rio e a oferta dos milhares de novos pontos de wi-fi em diversos locais da cidade também ampliam as possibilidades de interação com o ciclista e do desenvolvimento de produtos de tecnologia voltados ao transporte cicloviário.

A marcha desenfreada dos combustíveis torna ainda mais urgente a busca de alternativas para o deslocamento pela cidade, e a tendência de crescimento do ciclismo é grande. Poder público, sociedade e inicativa privada precisam somar forças para que, além de Inteligente e Sustentável, o Rio se transforme em “cidade das bicicletas”.

Felipe Peixoto

Durante seus mandatos, Felipe aprovou mais de 100 leis e presidiu importantes Comissões, como a do Foro e Laudêmio e a da Linha 3 do Metrô. Como Secretário de Estado, Felipe foi responsável por inúmeras realizações e projetos que beneficiaram todas as regiões do RJ. 

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