Em audiência pública que reuniu cerca de 200 pessoas, a maioria dos participantes se mostrou favorável à criação da Resex.
A Secretaria de Estado de Desenvolvimento Regional manifestou apoio para a criação da Reserva Extrativista Marinha (Resex) de Itaipu, na Região Oceânica de Niterói, durante a consulta pública promovida pela Secretaria de Estado do Ambiente (SEA) e pelo Instituto Estadual do Ambiente (Inea), na noite desta terça-feira (30/7).
O subsecretário de Estado de Pesca, Marco Botelho, representando o secretário da pasta Felipe Peixoto, ofereceu auxílio técnico aos pescadores da região de Niterói e Maricá no que diz respeito ao processo de criação da área. A ideia é garantir a participação dos pescadores na discussão sobre os novos rumos da atividade pesqueira no local.
– Entendemos que a região atrai pescadores artesanais de outros locais como da Baía de Guanabara e de Maricá. Portanto, é importante esgotar todas as explicações sobre o que é uma Resex junto a esses trabalhadores e negociar as novas regras para pescaria no local – declarou Marco Botelho.
Realizada no salão da Igreja de São Sebastião, em Itaipu, a reunião contou com a participação de cerca de 200 pessoas, entre pescadores, moradores de Itaipu, representantes do Governo do Estado e da Prefeitura de Niterói, e pesquisadores da Universidade Federal Fluminense (UFF).
Com cerca de 3.950 hectares, a Resex Marinha de Itaipu abrangerá áreas marinhas de Itacoatiara, Itaipu, Camboinhas, Piratininga e o espelho d’água da Lagoa de Itaipu. O processo de criação da Resex Itaipu partiu da demanda da população extrativista de pescadores artesanais e tradicionais da região, que vêm discutindo sua criação desde 1989.
Para garantir transparência e participação no processo de criação, ao longo do tempo foram realizadas reuniões e oficinas com pescadores da região, bem como com diversas instituições públicas e organizações da sociedade civil organizada.
O passo seguinte foi a realização da consulta pública, coordenada pela superintendente de Biodiversidade e Florestas da SEA, Alba Simon, e pelo diretor de Biodiversidade e Áreas Protegidas do Inea, André Ilha.
EXPLORAÇÃO SUSTENTÁVEL E CONSERVAÇÃO
Ao detalhar para os participantes as áreas que serão abrangidas pela Resex, André Ilha disse que a iniciativa visa ao equilíbrio entre a exploração sustentável e à conservação dos recursos naturais renováveis através de práticas e costumes nessa região.
Segundo ele, os limites propostos para a Resex incluem áreas que são de alta relevância da pesca, podendo-se assim manter as práticas e os costumes tradicionais. Ilha aproveitou o encontro para anunciar a aquisição de uma embarcação para fins de fiscalização nas áreas que serão abrangidas pela Resex.
– A Resex terá todo o apoio do Parque Estadual da Serra da Tiririca. A reserva terá um conselho deliberativo, um plano de ação e um plano de manejo que irá orientar todas as ações na Resex. Tudo será feito com a participação efetiva dos pescadores e de outras entidades que tiverem interesse em fazer parte do conselho deliberativo – acrescentou André Ilha.
Em clima de respeito e com críticas construtivas, o debate teve participação expressiva dos pescadores artesanais de Itaipu que, de maneira geral, mostraram-se favoráveis à criação da reserva extrativista.
Já outros pescadores, como os que trabalham na captura de pescados em Arraial do Cabo, na Região dos Lagos, mostraram-se preocupados com relação às áreas que serão abrangidas pela Resex. Segundo seus representantes, quando a Reserva Extrativista de Arraial do Cabo, de âmbito federal, foi criada, esses pescadores sofreram repressões a suas atividades em determinadas áreas. Além disso, afirmaram que sua criação não foi amplamente discutida com eles.
André Ilha disse que a consulta pública foi produtiva, sendo rica em manifestações contra e a favor da Resex:
– Percebemos que houve uma posição majoritária a favor da Resex. Teremos todo o cuidado para que o processo de elaboração de seu plano de ação e depois do plano de manejo seja feito com a participação efetiva dos pescadores artesanais, que é o público alvo para o qual essa unidade poderá ser criada. Aqui, houve uma consolidação de tudo que foi dito em favor e contra a Resex nas reuniões prévias, e, com isso, aprendemos com os erros cometidos no passado na criação de outras unidades semelhantes. Além disso, os testemunhos dos pescadores da Reserva Extrativista de Arraial do Cabo, na Região dos Lagos, foram fundamentais para que a gente desmistificasse alguns conceitos errôneos com relação a este tipo de iniciativa e, principalmente, que inverdades fossem corrigidas em público – declarou Ilha.
A superintendente de Biodiversidade e Florestas da SEA, Alba Simon, lembrou que a proposta da criação da Resex foi feita com apoio de pesquisadores da UFF que vêm realizando estudos na região de Itaipu desde 1996.
Segundo esses estudos da UFF, apesar de todas as características urbanas e do avanço imobiliário, a atividade pesqueira na localidade segue uma tradição que remonta há séculos, sendo verificada desde a época da ocupação da região por indígenas.
PAGAMENTO DE DÍVIDA HISTÓRICA
– Ao criar uma reserva extrativista marinha em Itaipu, o Estado paga uma dívida histórica com aquela comunidade tradicional pesqueira, pois a demanda pela criação é do final da década de 1980, e devido aos inúmeros conflitos com outros tipos de pesca e de uso, sobretudo com a pesca industrial, a reserva não saiu. A criação da Resex é semelhante ao reconhecimento de uma terra indígena, e cabe ao Estado reconhecer a comunidade tradicional, sua cultura e o uso histórico dos recursos marinhos fundamentais para sua sobrevivência – disse Alba Simon.
Segundo o antropólogo e professor da UFF, Ronaldo Lobão, a região de Itaipu foi objeto de pesquisa do Núcleo Fluminense de Estudos e Pesquisas da UFF desde os anos 1970. Ele destacou que a universidade fez desde 1996 o acompanhamento de todos os processos e dos pedidos de criação da Resex.
– Temos acompanhado a resistência dos pescadores tradicionais de Itaipu na luta pela conservação de seus costumes. A partir desse levantamento, vimos que a melhor forma de fazer essa proteção é criar uma reserva extrativista marinha com a finalidade de proteger os pescadores artesanais. Além da preservação dos costumes desses pescadores, a proposta da Resex é também a de preservar as características ambientais do sistema lagunar de Itaipu e das enseadas que possuem uma rica biodiversidade marinha, com espécies que se encontram ainda em abundância, mas que estão ameaçadas – explicou Lobão.
Estudos realizados pelo Laboratório de Ecologia Pesqueira da UFF revelam que essa pescaria é responsável pela captura diária de uma grande diversidade de espécies de peixes que procuram águas rasas e abrigadas. Os estudos registraram 183 espécies de peixes na região dos costões, recifes, lagoa de Itaipu, no entorno das ilhas do pai, mãe e filha e na praia propriamente dita, considerada como uma região de altíssima riqueza de espécies e, portanto, rica em biodiversidade. Destas, 31 espécies são a base da pesca tradicional, tais como a curvina, linguado, pescada, cação, anjo, pampo, enchova e outras de valor comercial que garantem a sobrevivência dos pescadores tradicionais da região.
O chefe Área de Proteção Ambiental (APA) de Massambaba, Luiz Vieira, que abrange os municípios de Araruama, Saquarema e Arraial do Cabo, na Região dos Lagos, disse que, quando a Reserva Extrativista Marinha de Arraial do Cabo foi criada, a fiscalização que reprimiu a pesca predatória acabou favorecendo um aumento da ordem de 130% na quantidade de pescados capturados por pescadores tradicionais da região.
– Quando nós criamos a Reserva Extrativista em Arraial do Cabo, de âmbito federal, nós colocamos uma embarcação para fins de fiscalização que apreendeu, em um período de dois anos, 30 arrastões; barcos que fazem a pesca predatória com rede de arrasto. Nessa época, criamos o Instituto de Pesca de Arraial do Cabo, que fazia estatística de pesca, e essa pesquisa mostrou que, em dois anos de repressão a esses barcos, houve um aumento na captura de pescado de 130%, passando de um milhão e 350 mil quilos de peixes capturados para 3 milhões e 150 mil quilos de pescados capturados por pescadores tradicionais daquela região – afirmou Vieira.
PESCADORES A FAVOR
O presidente da Associação de Pescadores de Itaipu, Jorge Luiz de Sousa, conhecido como Chico, disse que é favorável à criação da Resex porque esta será fundamental para a proteção dos pescadores artesanais de Itaipu.
– A cultura da pesca artesanal aqui de Itaipu está sendo ameaçada pela pesca predatória, especulação imobiliária e outras pressões. A criação dessa reserva vai permitir que sejam preservados a nossa tradição e o modo de pescar antigo que vem de nossos avós – destacou Chico, que é pescador há mais de 30 anos.
A região marinha de Itaipu é uma área peculiar na costa do Estado do Rio de Janeiro por concentrar diferentes habitats e receber continuamente contribuições de águas oceânicas e continentais, favorecendo assim a prática da pesca artesanal. Segundo a Associação Livre de Pescadores e Amigos da Praia de Itaipu (Alpapi), a pescaria tradicional é praticada por cerca de 120 pescadores, a maioria nascida e criada na região de Itaipu.
ASCOM SEDRAP e SEA