Mais de trezentas pessoas lotaram o salão da Padaria Glamour em Piratininga, ontem à noite, para participar da Audiência Pública, convocada pelo vereador Felipe Peixoto, sobre a cobrança, pela União, de Foro e Laudêmio na Região Oceânica de Niterói. Mesmo sob forte calor, já que o sistema de ar condicionado não estava funcionando, moradores, lideranças comunitárias e advogados permaneceram no auditório até às dez da noite para protestar contra a cobrança, considerada abusiva e ilegal.
A Audiência Pública sobre a Demarcação da Linha do Preamar Médio de 1831 na Lagoas de Piratininga e Itaipu, que teve como conseqüência a cobrança de Foro e Laudêmio na Região Oceânica, foi presidida por Felipe Peixoto e contou com a participação do Secretário Municipal de Meio Ambiente, Engº. Jéferson Martins e de Renan Lacerda, representante do deputado Paulo Ramos, que presidiu CPI na Assembléia Legislativa versando sobre o mesmo tema, além de muitas lideranças comunitárias, síndicos de condomínios, advogados e moradores, todos inconformados com as novas taxas, que passaram a incidir, a partir de 2001, sobre cerca de 10.000 imóveis na Região.
A audiência começou com uma apresentação de um trabalho, elaborado pela equipe do vereador, que reúne informações técnicas sobre as lagoas. Felipe explicou que o trabalho é uma compilação de informações e dados que abrangem referências sobre a origem geológica das lagoas; sua hidrologia; aspectos ambientais e históricos; evolução da ocupação urbana; legislação e intervenções dos órgãos públicos. e atuação urbanos, dados hidráulicos e ambientais. Estas informações, que poderão ser ampliadas com novos dados e contribuições das partes interessadas, servirão de base para os debates e para o relatório que será elaborado pela Comissão Especial da Câmara Municipal.
De acordo com o trabalho, que foi apresentado pelo engº. Sergio Marcolini, o parecer técnico da SPU que embasou a demarcação das terras da União na Região Oceânica sustenta que originalmente, a Lagoa de Piratininga comunicava-se com o mar por intermédio do Canal do Tibau e que naquela época o nível das lagoas era regulado pelo regime das marés oceânicas.
Esta tese é contraditória com diversas informações e estudos anteriores, segundo os quais, as lagoas tinham seu regime hidráulico influenciado pelas precipitações pluviais e pela contribuição de suas bacias hidrográficas.
Enquanto estudos anteriores descrevem as lagoas como isoladas do mar pelo cordão arenoso, com abertura periódica da barra, por fenômeno natural ou por intervenção antrópica, em Piratininga ou em Itaipu; o parecer da SPU afirma a existência de barra permanente em Piratininga, o canal do Tibau.
Diante dessas divergências, a equipe de Felipe Peixoto realizou uma pesquisa documental que comprovasse uma das duas teses contraditórias. Até o momento, todos os documentos encontrados apontam para a comprovação dos estudos anteriores, isto é: as lagoas de Piratininga e Itaipu eram separadas do mar, não existindo uma barra permanente que pudesse fazer com que o nível das lagoas fosse influenciado pelas marés oceânicas. Dentre os documentos encontrados destacam-se os mapas antigos que mostram as lagoas separadas do mar por um cordão arenoso. São eles:
1- Plano Topográfico do Porto e Entrada do Rio de Janeiro e seus oredores de 1778 (mapoteca do Ministério das Relações Exteriores- reproduzido do livro Niterói Cidade Sorriso, de Carlos Wehrs)
2- new and most corect Chart of the Entrance and Harbour of Rio de Janeiro London 1821 (Centro de Hidrografia da Marinha)
3- Planta do Rio de Janeiro 1828 (Biblioteca Nacional reproduzido do livro São Lourenço, editado pela Prefeitura de Niterói)
4- Mapa produzido pela Station Francese de L Amerique Meridionale 1829 (Centro de Hidrografia da Marinha)
5- Carta Náutica de 1922. (Centro de Hidrografia da Marinha)
6- Carta Náutica de 1961. (Centro de Hidrografia da Marinha)
Esta tese é também confirmada por relatos históricos, como este trecho a respeito da Lagoa de Piratininga, atribuído a Aires do Casal, encontrado no livro Notas para a história de Niterói, de Maia Forte:
com três quartos de légua leste-oeste e largura proporcionada, fica pouco menos de milha afastada do Saco de São João de Caraí. É piscosa e separada do mar por um cômoro de areia formado pela ressaca, e que se rompe todos os invernos, para não se alagarem as terras adjacentes.
Diante destes documentos o trabalho aponta para as seguintes conclusões:
1- Não foi encontrado nenhum indício de existência do Canal do Tibau citado no laudo da SPU.
2- Não foi encontrado nenhum indício de influência de maré nas Lagoas de Piratininga e Itaipu, antes da abertura de barra em Itaipu. (a influência de maré é caracterizada pela oscilação periódica de 5 cm pelo menos no nível das águas, que ocorra em qualquer época do ano – decreto-lei 9.760/46)
3- Mesmo que venha a ser caracterizada a influência de maré nas lagoas, esta variação seria mínima, não se justificando a cota de +2,0 m adotada pala SPU para a demarcação.
4- A cota +2,0, adotada pala SPU, só se justificaria como cota de enchente, de origem pluvial, o que afastaria a tese de propriedade da União sobre as lagoas.