Fala-se muito a respeito da democracia na América Latina. Em geral, as colocações sobre o tema são carregadas de preconceito e maniqueísmos, mas uma coisa não se pode negar: de fato somos uma região onde o autoritarismo é aceitado por uma parcela bem considerável da população, desde que “bem intencionado”.
Esta afirmativa pode ser comprovada pelos resultados da pesquisa Latinobarômetro, feita pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) em 2002. De acordo com o levantamento, 57% da população do continente prefere a democracia a qualquer outro sistema de governo. No entanto, se um governo autoritário resolvesse os problemas econômicos de um país, ele teria o apoio de 56% da população.
Como se vê, o desejo dos latinoamericanos por democracia é relativizado. Pelo menos em parte, podemos dizer que o motivo está na percepção, por parte da população, de que democracia não traz necessariamente avanços sociais e econômicos. Numa região acostumada a líderes, ainda que eleitos, subservientes aos interesses dos países mais ricos, é natural que isso aconteça. O problema é que esta percepção faz parte de um círculo bastante vicioso: se a população não se preocupa com democracia, os dirigentes acabam “deixando de se preocupar” e, em casos extremos, tomam atitudes autoritárias com a certeza de que não serão punidos nem prejudicados.
É o caso que vem ocorrendo em Honduras. Argumenta-se que o presidente Zelaya decidiu, à revelia da Justiça, convocou um referendo para alterar a constituição hondurenha. Embora possamos dizer que o presidente tenha tomado uma atitude precipitada, a reação da oposição, por sua vez, foi completamente descabida. O mandatário foi retirado de sua casa de pijamas, com armas apontadas em sua direção, durante a madrugada, e levado para o exterior. Quando tentou regressar ao país para o qual fora legitimamente eleito, foi proibido pelo exército, em duas ocasiões.
O governo interino estabeleceu censura à mídia local e instaurou toque de recolher. Foram proibidas não só as manifestações de rua, mas inclusive quaisquer reuniões com pelo menos 20 pessoas. O comércio e os bancos foram fechados pelo governo. E tudo isto com a argumentação de que estavam garantindo “a paz e a tranqüilidade do país”. Não sei como é possível ter paz ou tranqüilidade quando pessoas estão sendo atacadas pela polícia por defender suas opiniões, mas estes foram os argumentos adotados pelo governo daquele país.
É importante ressaltar que no Brasil, em 1964, o congresso nacional decretou a “vacância de cargo” do presidente, nomeando o então presidente da Câmara como responsável por um governo interino, mesma situação na qual Honduras se encontra. O regime militar brasileiro, às vésperas de um processo eleitoral, foi prolongado por mais de 20 anos.
Se um presidente se precipita no exercício de seu mandato, ele deve ser corrigido, não deposto. A deposição de um presidente só deve acontecer quando a falta é muito, muito grave. A expulsão de um cidadão do próprio país é ato inadmissível, que só ocorre em regimes ditatoriais, mesma observação que pode ser feita a respeito da suspensão de direitos civis, como a liberdade de manifestação.
Por mais frágeis que possam estar as instituições democráticas hondurenhas, aceitar a legitimidade do atual governo é aceitar que democracia pode ser feita com ditadura. E, em pleno século XXI, já não faz o menor sentido que a América Latina continue a conviver com governantes que só são líderes entre aspas.