Recentemente fomos surpreendidos com mensagens de moradores de Niterói e de outros municípios do litoral fluminense que voltaram a receber cartas de cobrança de foro, laudêmio e taxa de ocupação da União, fontes de receita absurdas que remontam aos tempos do Império. Conheço bem o assunto porque, na Câmara Municipal de Niterói, presidi a Comissão Especial de Foro e Laudêmio, que resultou em uma ação do Ministério Público e consequente suspensão dessas taxas no estado do Rio em 2009.
Só que após quase dez anos, no ano passado o Superior Tribunal de Justiça (STJ), julgando recurso especial da Superintendência de Patrimônio da União (SPU), tomou, pela primeira vez, decisão favorável à União, validando a cobrança ao revés do entendimento de duas instâncias anteriores da Justiça Federal. Mas o processo não está encerrado. O MP já apresentou pedido de embargo de declaração para que o juiz reavalie o caso. Portanto, não nem cabimento o governo cobrar da população quando ainda não há, sequer, trânsito em julgado.
Mas, afinal, o que é foro e laudêmio?
Para entendermos melhor, precisamos voltar dois séculos de história. Em 1831, a Coroa estipulou que imóveis em áreas consideradas fundamentais para a defesa nacional contra um possível ataque pelo mar (os chamados terrenos de marinha) deveriam pagar anualmente taxa de ocupação ou foro (quando o imóvel está sob regime de aforamento, sendo o sujeito passivo o titular do domínio útil), e mais um percentual no caso de venda, o laudêmio. Para isso, foi delimitada uma faixa de terra de 33 metros a partir de uma linha imaginária com base na média de marés altas daquele ano.
Mudanças na legislação e nas marés, além da ocupação irregular e construção de aterros ao longo de praias e lagoas, puseram de ponta-cabeça a localização desses terrenos. No entanto, a partir de 2001, milhares de moradores foram surpreendidos com a dívida de foros e laudêmios atrasados de imóveis que, em alguns casos, nem passavam perto do mar. A cobrança veio após uma revisão cartográfica realizada entre 1996 e 2000, com base em um decreto lei de 1946 que inclui na demarcação propriedades às margens de rios e lagoas com influência de marés.
Foi aí que, sem um estudo mais aprofundado, a empresa contratada para refazer o traçado incluiu milhares de moradias do entorno das lagoas de Piratininga e Itaipu. A lista dos que passariam a receber a cobrança foi publicada por edital no Diário Oficial da União, mas a maioria só ficou sabendo disso na hora de vender o imóvel. Desde então, tenho me colocado na linha de frente em apoio ao fim dessas cobranças.
Além de um retrocesso, a decisão do ministro do STJ é contraditória, uma vez que, para fundamentá-la, ele reconheceu que a publicação do edital é anterior a 2011, ano em que foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a lei de 2007 que permitia a comunicação coletiva por meio do Diário Oficial, desconsiderando o amplo direito de contestação.
O caso das lagoas: outra vitória com mais um retrocesso
Enquanto tramita o processo que diz respeito à notificação, o caso dos moradores do entorno das lagoas de Itaipu e Piratininga ganhou um capítulo à parte nessa luta pelo fim das cobranças. Isto porque a Superintendência de Patrimônio da União voltou atrás das primeiras decisões de recursos administrativos individuais protocolados por esses moradores, nas quais, finalmente, reconhecia o erro demarcatório que incluiu tais áreas na classificação de terrenos de marinha.
Para o parecer favorável inicial, o órgão considerou o mesmo estudo da Comissão Especial de Foro e Laudêmio que motivou a ação do MP. Neste, após minucioso levantamento de mapas oficiais da época, incluindo o da Marinha Francesa, concluímos que em 1831 essas lagoas não tinham comunicação com o mar. Com isso, orientamos milhares de moradores dessas áreas a contestarem a cobrança na SPU até 10 dias após recebimento da notificação individual, originando os recursos administrativos em questão.
Importante lembrar ainda que o relatório também serviu de base para a Justiça declarar em diversas ações individuais a impossibilidade da União de demarcar os terrenos no entorno das lagoas sob a alegação da ligação com o mar. Contudo, até agora, nenhuma dessas decisões foi respeitada, e seguimos acompanhando atentamente, com interações sempre que cabível.
** Atualmente, o foro corresponde a 0,6% do valor do terreno. Já a taxa de ocupação regular de imóvel da União tem alíquota que varia de 2% a 5%, enquanto o laudêmio é fixado em 5%.