Inaugurada em 1974, a Ponte Rio-Niterói permanece ainda firme sobre as águas da Baía de Guanabara. Prestes a completar 40 anos (na terça, dia 4) e tida como uma das obras-símbolo do Brasil Grande, pouco, no entanto, restou do passado cívico que a ergueu, além do nome de batismo: Ponte Presidente Costa e Silva.
Nome que o Ministério Público Federal, inclusive, quer remover por meio de uma ação judicial. Um movimento de cidadania que tomou conta do Brasil. Ao mesmo tempo em que o MPF criou uma Comissão da Verdade para investigar os crimes da ditadura, as escolas, praças e ruas que homenageiam generais do regime começaram a ser renomeadas.
No entendimento dos procuradores, dar à Ponte o nome “de um dos maiores violadores de direitos do povo brasileiro” é, por si, uma violação da memória de quem padeceu na tortura durante do governo Costa e Silva. Para o MPF, é preciso devolver à sociedade o direito de escolher quem a Ponte deve homenagear. De fato.
Fica a sugestão de rebatizá-la com o nome de um dos nossos maiores líderes, eleito duas vezes governador do Estado do Rio: Leonel de Moura Brizola. Um político que sempre acreditou na força do povo e no processo social. Contribuiu para abolir o analfabetismo no Rio Grande do Sul e, por aqui, implantou os CIEPs. Eu apoio essa ideia!
Prevista para durar pouco mais de dois anos, a Ponte começou a ser construída em 1968, e deveria ficar pronta em 1971. Suas obras, porém, só foram concluídas em 1974, com um atraso de três anos. Para os generais do regime, a Ponte personificou o milagre desenvolvimentista. Para os engenheiros, o desafio vencido mar adentro.
Até então, entre esperar na fila, embarcar, atravessar e desembarcar o veículo, a viagem de barcaça demorava até duas horas. A falta de melhor opção para a travessia já incomodava desde o Brasil Império, quando Dom Pedro II autorizou o engenheiro inglês Hamilton Lindsay Bucknall a desenvolver um projeto de ligação ferroviária passando por um túnel submarino.
No começo, a Ponte era uma via de 13,2 quilômetros construída pelos militares para ligar dois pedaços da BR-101 (Rio Grande do Norte-Rio Grande do Sul) e consolidar o Plano Nacional de Rodovias. Em 1970, uma pesquisa de opinião alertava que 80% dos motoristas trocariam a linha marítima pela Ponte.
No primeiro ano, atingiu a marca de 20 mil veículos por dia e a travessia era gratuita, não existindo a cobrança de pedágio, implantado anos depois. Hoje já ultrapassa os 150 mil veículos que, diariamente, passam por ela e nos horários de pico, levam quase o mesmo tempo para atravessá-la que os antepassados do tempo das barcaças.
Ao final da obra, o custo da Ponte ficou em torno de Crz$ 800 milhões, quase quatro vezes mais que o valor previsto inicialmente. Era terceira maior do mundo, atrás apenas da Ponte do Lago Pontchartrain, com 38 quilômetros, em Louisiana, na Costa Leste dos Estados Unidos, e a Chesapeacke Bay Bridge, na Virgínia (também nos Estados Unidos), com 29 quilômetros. Hoje caiu para o 11º lugar no ranking internacional de extensão, embora continue sendo a maior do Hemisfério Sul.
Para erguê-la, os construtores tiveram que superar desafios como concretar as fundações debaixo d’água e fazer um vão central de 300 metros de largura e 72 de altura. As obras avançavam em duas frentes – Rio e Niterói – e se encontravam no vão central. E os perigos não eram poucos.
Trabalho nas alturas e sobre águas com 20 metros de profundidade, operários sem qualquer instrução, capacetes e botas eram raridade. Oficialmente, o regime militar contabilizou 33 mortes durante a obra. Mas há quem faça uma conta de 400 baixas. De 1968 a 1972, foram registrados oito acidentes fatais, com um total de 18 mortos e mais de 30 feridos.
Com 14 quilômetros de extensão, a ponte enfrentou desafios de engenharia – o maior deles, assegurar 300 metros de canal navegável no vão central (canal principal) e mais dois secundários de 200 metros (largura) – e de gestão de 10 mil funcionários, mais de oito vezes o número de trabalhadores mobilizados para a recente reconstrução do Maracanã.
A Ponte Rio-Niterói é, sem dúvidas, uma obra memorável. Que transcendeu a era do regime militar, quando foi criada, e se tornou um divisor de águas para nossa história.