Na última semana, o país começou a discutir a possibilidade de organização de um plebiscito para fazer a sua reforma política. A ideia chegou a ser combatida como “desperdício de dinheiro público”, “cheque em branco para os deputados” e “muito complexa para ir a voto popular”.
Sempre que alguém quer tomar uma decisão rápida, entre poucas pessoas, sem ouvir a população, usa-se o argumento da dificuldade. Sem dúvida, a razão nos ensina que ouvir 500 pessoas é muito mais simples que ouvir 190 milhões. No entanto, assumindo que de fato a coisa fosse mais simples, ainda caberia aqui uma outra pergunta: é mais justo?
Certamente, algumas pessoas se apressarão em reconhecer o papel de cada poder. E farão questão de me lembrar que o Brasil possui um Parlamento justamente para debater questões como a reforma política. O povo brasileiro elegeu os parlamentares. Logo, as decisões do Parlamento serão sempre representativas do povo brasileiro, correto?
Não necessariamente.
Eu posso conferir procuração para qualquer pessoa decidir o que quiser em meu nome. Eu não sou obrigado a concordar com todas as suas decisões, mas se eu fiz a procuração é porque considerei que, no geral, a pessoa merecia minha confiança.
A situação que vivemos hoje, contudo, é um tanto peculiar. O que observamos no mês de junho foram dois milhões de pessoas indo às ruas para dizer justamente que elas não se sentem representadas por aqueles que ajudaram a eleger!
O que a população está dizendo para os políticos é justamente que chegou o momento de envolvê-la nas decisões mais importantes! Longe de creditarmos isso ao caos, o que devemos fazer é louvar, pois trata-se de um importante sinal de amadurecimento político. Nas democracias mais antigas, é fato comum realizar plebiscitos e referendos junto com eleições. Por que não fazer o mesmo no Brasil?
Nossa Constituição já nos garante diversos mecanismos de participação popular nas decisões políticas. Desde 1988, no entanto, só ouvimos o povo em duas ocasiões: para definir o nosso sistema de governo e para referendar a nova política sobre armas implantada pelo Congresso. Temos que usar estes instrumentos com mais frequência!
Não tenho a menor dúvida que usar dinheiro público para ouvir a população é muito mais vantajoso e útil do que usá-lo para consertar vidros quebrados. Quanto à noção de que a reforma política é muito complexa para ir a plebiscito e que a forma correta de consulta seria um referendo, também quero discordar.
A reforma política está há 20 anos sendo discutida e até o momento não foi possível chegar a uma maioria qualificada no Parlamento sobre nenhum dos pontos centrais da reforma. Isso me traz duas reflexões.
A primeira é que, se os representantes do povo não conseguem consensualizar em torno da reforma, porque não garantir ao próprio povo, que tem a prerrogativa de decidir com maioria simples, o direito de definir como quer escolher seus representantes?
A segunda é: se o Congresso levou 20 anos para evoluir muito pouco da reforma política, porque de repente “só faz sentido se valer para 2014”? Não seria mais interessante organizar o plebiscito, explicar as diferentes propostas para a população, e ouvi-la num prazo adequado para a compreensão da proposta?
Saio com a opinião de que ouvir a opinião do povo, manifestada diretamente através do voto, e não apenas através de seus representantes, é de fato a melhor forma de conduzir os anseios levados às ruas pela população. Este episódio, aliás, parece nos ter ensinado algo que até a razão desconhecia: pode ser sim mais simples ouvir 190 milhões de pessoas do que 594 congressistas.